quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Para o meu bebé

Coloquei a minha foto de recém-nascida oferecida pelo meu tio junto ao computador e comecei pesquisar informações sobre vistos, câmbios, e passagens.
Os olhos do bebé entreabertos na imagem a captar as primeiras sombras do mundo, com uma inocência estremunhada e abafada em cobertores e lençóis da caminha de hospital, prendem a minha atenção. Com tantas promessas, desejos e oportunidades de uma vida longa que o espera. O bebé que anuncia uma nova vida de expectativas e limites infinitos, a sucessão de uma família de linhagem longa, de grandes exemplos de carácter, rectidão e nobreza. Um livro por escrever, as páginas imaculadas a gritar por tinta, muita tinta!
Senti lágrimas a correrem pelo rosto primeiro e então o choro convulsivo chegou enquanto pedia desculpa ao bebé por sentir que, passados quase 30 anos, não fui capaz de me tornar na mulher que ele merecia ser.

Desculpa!

Mil vezes desculpa!!

Falhei-te! Eu amo-te e falhei-te!


Quase 30 anos depois, vejo-me enrolada no edredão da cama a continuar ver passar as sombras do mundo... como um livro de páginas rasuradas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

"I'm crazy!", disse em tom apologético
Sorriso, "You're not crazy..."

Meio sorriso",,, You're lost"

"Yes, I am"

E os dois entenderam-se perfeitamente.

quinta-feira, 26 de março de 2015

O pior de tudo


(Imagem encontrada em http://s-t-o-n-e-y.tumblr.com/)
E o pior? Não é o teu silêncio, ou a tua indiferença, dúvida ou indecisão, ou tudo ao mesmo tempo. O pior não é querer ardentemente que me queiras da mesma forma como te recebi. Não é tentar imaginar o que fazes, o que lês, o que dizes em dado momento. Não é imaginar-me à tua porta e depositar aí a bomba que me tem andado a afligir entre as costelas e muito menos saber que pode ser tudo da minha cabeça e que isto é apenas mais um devaneio idiota e que depressa retomarei o controlo da minha cabeça e o compasso do miocárdio. O pior não é nada disso. O pior de tudo é que, para qualquer lado que vá, com quem vá, o que quer que faça (e o que não faça),  imagino-te. Imaginar-te faz-me sentir oca. Imaginar-te faz-me sentir impotente, torpe e absolutamente estúpida. É isso. Gostar de ti faz-me sentir estúpida. Imaginar-te no meio de uma multidão de nada a sorrir para mim, e eu não conseguir disfarçar um sorriso idiota de felicidade, fantasiar a tua boca que me faz calcular quantos mais metros faltam para entrar em órbita, a tua barba de homem que emoldura um rosto que me assombra, a tua mão a chegar por surpresa à minha cintura enquanto hasteio a bandeira da rendição tão alto que, provavelmente, nem a consegues ver. Lá em cima!
O álcool odeia-me. É tão mau beber quando não estás por perto.

Isto chegou até mim e não sei o que fazer. Não quis, nunca quis. Porque me sorriste? Porque me deste conversa? Porque é que te mostraste? Queria dizer-te, aliviar a minha culpa, e com sorte não receber correspondência para, assim, mudar o código postal. O desespero por vezes é de tal ordem que sinto que já as conversas banais se tornam incoerentes. Tornei-me numa incoerente por tua causa, por ti, para ti.

E tu nem imaginas.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Guiões e Ensaios

Photography by Bing Wright
(imagem de: Bing Wright)

"Sem problema... Prefiro assim do que ter o impulso egoísta de o querer para mim e saber que não o poderei ter por completo." Foi esta a resposta quando me perguntaram como estava(mos). E em seguida há um "devias", um "podias", ou um "não tens nada a perder". Sorrio para dentro.
Um erro gravíssimo quando uma pessoa se apaixona. Vive-se em condições desumanas, a mendigar um olhar e rogar por atenção, um carinho para uma alma amputada que, sedenta de luz, se deixa encandear como uma raposa perdida numa autoestrada.
De repente, e sem te aperceberes, estás a viver para alguém que, muito provavelmente, está a anos luz de te adivinhar os novelos de suposições. Isto, claro, não excluindo a hipótese de se estar a borrifar para a febre em que te deixou. Desumano!
Algum tempo depois, pode até já ter passado e ainda assim custar conceber que algum dia estivemos tão doentes por alguém ao ponto de perder (literalmente) horas da tua vida a ensaiar discursos à frente do espelho, repensá-los no banho, esperar respostas e prever reações. Dava para um argumento de uma novela, o tom de cada fala, as expressões ébrias e meios sorrisos dizerem mais do que devem. Mas na realidade, as tuas não as consigo ler e por isso dou-me ao luxo de as imaginar para mim. Refugio-me nos meus guiões, para os rever de forma perversa vezes sem conta, para brincar com uma virgula aqui, com um verbo ali, beijar um complemento circunstancial, acariciar um superlativo ou para me encostar a um advérbio de modo, quando para mim ainda és artigo indefinido. Obrigo-me a perder as vezes que recomeço para ver se enjoo. Para enjoar de vez, para recuperar novamente os dez anos mentais que perdi contigo, sem ti, durante um ano.
Já vos aconteceu estarem a ouvir alguém e de repente deixarem de o fazer, para passar simplesmente a observar a forma como fala? Deixar a imagem continuar, desligar o som, colocar uma música de fundo, aquela lá bem do fundo que só tu consegues ouvir, e começar a poetizar sobre a forma como ele articula as mãos enquanto fala, os esgares quando acentua algo com ironia, tudo isto enquanto cronometramos o tempo que permanece fixo no nosso olhar. Às vezes quase parece que fomos descobertos, mas então não. Parece que continua. Leva o copo à boca e bebe um trago de vinho e nós soltamos um "hum hum" automático, para não nos perdermos no poema. E ele continua a falar. Parece descontraído, o álcool ajudou mas não há nenhum sinal que o tenha traído a meu favor. Nem um... Vou abanando a cabeça como quem está realmente interessada na conversa, consciente de que fiquei há três tópicos para atrás. Se ele soubesse só de metade do que vai aqui por dentro, certamente que fugiria, é demasiado grande para os dois. Ficaria mãe solteira, com o coração nos braços. Um coração órfão.
De repente assalta-me a ideia de que, pela minha apatia e monossilabismo, pode julgar que estou pouco ou nada interessada na conversa. Guardo o poema para continuar mais tarde e esforço-me para acompanhar as passadas do diálogo. Se tu soubesses...

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Química


Quando há química, a matemática falha, o português não desenvolve, a geografia perde-se e a física enlouquece.

sábado, 1 de novembro de 2014

Milonga


Todos dizem que não temos tempo para joguinhos, para um 'toma lá-dá cá', para uma pesagem cirúrgica das palavras, para a gestão das pausas e das reticências, do até onde chega a sedução e começa a entrega. Mas no fundo, bem no fundo, é um duelo que todos gostamos, não concordam? Um tango entre dois que se vão acertando entre marcações e passos, que tão pouco se olham numa inclinação indiferente de cabeça, mas com um toque de mão que incinera o que temos de mais racional em nós: o coração.
É inevitável, é mais forte. Hoje é o mundo, peito cheio de tudo que nem ar entra já, amanhã é insuficiente, rigorosamente pouco, de nada serve. Esta ginástica olímpica desgasta-nos ao mesmo tempo que nos alenta. E para o raio com os lirismos!

Pode até tudo não passar  de um entretém, de uma lufada de ar fresco, de um escape daquela rotina que mata pela calada, mas já valeu a pena, vale sempre a pena,,. mesmo que não haja xeque ao rei, nem o direito ao saque depois da batalha.

Bem, e pensando bem, talvez seja esse o melhor desfecho, porque se há a casualidade de os planetas se alinharem, acabam-se as regras, acaba-se o chão, acabaram as noites descansadas, as perguntas mudam e aí, meu amigo, é que elas mordem.








quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Agrilhoada


É tal a sede da alma agrilhoada ao corpo que não quebra
Que ele próprio come em excesso na ilusão de a saciar.


Em vão, claro...

E a sede é tanta... Tanta sede!